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menteconspiradora

O Vidrão

O café estava fechado, mas mesmo assim bati há porta, tinha marcado lá um encontro, mas estava deveras atrasado, as coisas não estavam a correr nada bem.
Primeiro aquele carro que apareceu sabe-se lá de onde e me fez embater no pobre do vidrão que não tinha culpa nenhuma, depois aquele policia, que achava que eu era um terrível criminoso, “já viu o que fez? Não têm vergonha? Olhe para este belo serviço! E agora quem é que limpa isto?”, é triste mas é verdade, estava a ficar em pânico, mas que queria ele, que eu fizesse? – Estou atrasado, a culpa é do carro amarelo que me fez bater no vidrão, eu pago os estragos! Mas ele nada, olhava, sorria irónico e depois dizia, “Não posso fazer nada, tenho de preencher o auto e só depois é que o deixo ir”, que raiva.
– Senhor Agente, deixe-me ao menos ir ali há cabina fazer uma chamada?
– Nada feito, daqui não sai, ligue do telemóvel! Toda a gente têm um.
– Mas o meu não têm bateria, o isqueiro do carro há muito que vendeu a alma ao diabo, cortaram-me a luz em casa, porque o meu cão comeu as contas e como não as recebia não as podia pagar, depois foi tentar carrega-lo no trabalho mas de manhã despediram-me e agora tenho o amor da minha vida há espera e nem lhe posso telefonar por causa de um parvo vidrão e de um policia que pensa que vou fugir e deixar aqui o carro para não pagar os estragos, eu sei que o carro é velho, mas é o único que tenho.
– Velho! Isso é favor, o seu carro já passou a idade da reforma, deviam de haver leis contra latas ferrugentas. E não se ponha com coisas, eu não sou padre e não estou interessado na história da sua vida, daqui não sai enquanto eu não acabar e pronto.
E agora, não me abrem a porta, e não a vejo e o mais estranho é que não sei o numero dela, ficou na agenda que está no trabalho, mas lá não posso ir, porra de dia, porra de vida, agora vou é voltar para trás, vou para casa, a pé, é que o pobre do carro seguiu o caminho do isqueiro e vendeu a alma ao diabo, é o que faz andar a dever anos há cova, o pior é que ainda tive de pagar o reboque que o levou para a sucata. Bem, vou para casa, ou melhor, para o buraco escuro, sem luz, sem água, sem carro, sem telefone, sem a mulher da minha vida, honestamente! Sem nada. E tudo por causa de um carro amarelo que se crusou há minha frente e que me fez desviar e embater na porra de um vidrão.
PORRA!

A chuva

A chuva caía lá fora, uma chuva fresca, mas que há medida que caía o corpo habituava-se a ela, as gotas escorriam pelas pontas do cabelo já encharcado, as pinturas dos olhos seguiam as gotas no seu caminho descendente, parecia que chorava, mas os seus olhos brilhavam, brilhavam como os olhos de um bebé que vê a vida pela primeira vez, ou os olhos de um idoso que pela primeira vez vê o oceano e o sol a banhar-se nele num entardecer. Ela lá estava, parada, com a chuva a fazer dela um alvo perfeito, as gotas pareciam desviar-se apenas para terem o prazer de lhe tocar. E ela, parada, no meio da rua, de mão estendida, há espera da minha mão, há espera que eu me junta-se a ela. E eu, correndo, rua a cima, e só tinha olhos para ela, a água desviava-se de mim, não queria nada comigo, mas eu só tinha olhos para ela, ali, parada, com a chuva a correr nela, mais do que eu corria para ela. E eu, corria. E ela, sorriu. E eu, peguei finalmente na mão dela, ela chegou-se a mim, e a água começou a cair sobre ambos. E nós, juntámos os nossos lábios pela primeira vez, trocamos saliva, as nossas línguas passaram a ser um casal de dançarinos a dançar uma valsa no mais belo dos salões. E o brilho nos olhos dela, duplicou, os meus deviam de parecer dois faróis. E assim ficámos, de lábios colados, no meio da rua, com a chuva como um cobertor, com a lua que já surgia tímida por entre as nuvens cinzentas como tecto, e com duas línguas que não queriam parar de dançar.

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