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menteconspiradora

Conversas à Lareira

Sentei-me numa cadeira que ficava de lado para a dele, e de lado para a enorme lareira onde a madeira crepitava numa estranha sinfonia, eu olhava ainda abismado para todo aquilo, que sitio estranho seria este e porque seria eu o único a chegar aqui? Tentei fazer essa pergunta enquanto ele se ajeitava na sua cadeira, interrompendo-me ainda antes de eu falar com um, “Tem calma, primeiro pergunto eu, depois responderei ás tuas inquietações!”.

– Então, diz-me! O que te passou na cabeça para achares que morto estavas melhor do que vivo?
– Eu estou morto?
– O quê, ainda não tinhas reparado? Achavas que isto era um sonho? Perguntou ele enquanto soltava uma sonora gargalhada.
– Claro que não sabia, não me lembro de nada, só me lembro de estar sentado numa pedra na praia, como foi que...
– Morrestes? Aqui não te interessa saber o como mas o porquê!
– Mas o porquê eu sei, eu….
– É isso que eu quero que me contes, porque é que se ainda tinhas tanta vida pela frente vistes para aqui fazer?
– Mulher, uma mulher!
– Sim? Continua!
– Mas porque quer que eu conte se você parece saber de tudo!
– Pareço não, sei de tudo! Mas só sei o que vejo, não o que te vai dentro da cabeça, em que pensavas, não terias mais opções de vida?
– Será que tinha?
– Responde-me tu!
– Talvez tivesse, talvez se não fosse tão obcecado, talvez não estaria aqui, estaria em casa com a mulher e os filhos, talvez….
– Chega, não me faças rir mais, em casa com mulher e filhos tu?
– Porquê, não posso?
– Agora não e lá nem em sonhos.
– Vê como sabe tudo! Porque é que se...
– Para, eu não sei tudo só sei que não estarias com ninguém nem com filhos!
– E como sabe isso?
– Lógica meu rapaz, tu serias sempre obcecado, está-te no sangue, além disso sabes o que estás aqui a fazer?
– Não!
– Estás aqui porque viestes antes do tempo e para nós isso é uma chatice e temos duas coisas a fazer ou começas já a pagar os teus castigos terrenos ou então voltas a nascer e é te dada uma segunda oportunidade.
– Mas isso é idiotice, então aqueles que morrem ates do tempo, têm uma segunda oportunidade?
– Não, tu tens essa oportunidade porque por nossa culpa erramos ao escrever os teus desígnios.
– Boa, vocês erram e eu volto para lá, será que desta acertam?
– Não é um motivo de acertar ou não, erramos, num pequeno ponto a tua vida cruzava com alguém de desígnio diferente, alguém que te era dado como teu destino, teu futuro e no desígnio dessa pessoa tu não estavas lá, é só isso.
– Só isso? E dizes, só isso? Isso foi o suficiente para me trazer aqui, o que teria acontecido se por acaso eu não tivesse morrido? Será que estaria a escrever o meu próprio futuro a cada minuto que passava, que se assim fosse estaria a empatar o destino de outra ou outras pessoas?
– Sim, por isso é que aqui estás! Tu nem sabes como morrestes, queres que te diga?
– Para quê?
– Não seja assim amargo, isto até foi bom!
– Sim óptimo ainda me estou a rir!
– Vê, até consegue manter o seu humor elevado, mas pense, viverá de novo e desta vez será feliz, que me diz disto?
– Digo que gostava de ser feliz agora, para que me serve ter de começar de novo? Se era agora que mais queria ser feliz!
– Com ela, mas você ainda pensa nela? Acorde homem, aquela mulher é um centro de infelicidade é isso que todos os que gostarão dela irão sentir, uma infelicidade extrema, é isso que queria também?
– Eu?
– Desculpe, esqueci-me foi isso que teve! Chega de conversas, aproveite, pode ficar por aqui o tempo que quiser, pense e tome uma decisão!

Levantei-me da cadeira e agradeci com uma cara de zangado, uma figura parecida com o barqueiro surgiu de repente na sala, de tal maneira silencioso que nem o ouvi entrar, apenas me assustando com a sua presença ao meu lado.

– Leve-o até aos seus aposentos, ele será o nosso hóspede, leva-o depois a conhecer o castelo, para que não se perca muitas vezes!

A um gesto da sua mão segui pelo caminho indicado, subindo as escadas até a um luxuoso corredor com demasiadas portas e todas elas com um nome na porta, o corredor parecia não ter fim, ao fundo via-se apenas uma tremenda escuridão e enquanto caminhava na direcção da mesma ela afastava-se cada vez mais como se caminhasse em círculos pois tudo parecia demasiado igual.

Será Isto a Morte?

Sentado numa rocha húmida e áspera, contemplando uma praia de areias enegrecidas, de ondas de uma água de tal forma gelada que criam uma pequena névoa que me enregela os ossos, as ondas rebentam na areia deixando detritos na mesma que depressa são devorados por um bando de gaivotas putrefactas, o bando devora os detritos trazidos pelas ondas e comem também as suas carnes podres que ao caírem ao chão são logo alvo de um festim, são tantas que ao passarem a voar de um lado para o outro toldam toda a minha visão, como se de repente uma névoa escura descesse sobre os meus olhos, mas quando pousam para o seu festim consigo ver o horizonte onde um barco de escurecidas e podres madeiras vagueia suavemente, sem pressa, ao sabor do mar vindo na minha direcção, ao leme um ser de formas humanas, vestido com uma estranha vestimenta com capuz rota e esfarrapada pelo tempo, pela abertura do capuz apenas se notam uns olhos brancos sem vida mas que me observam como que fixos, como os olhos de um arqueiro fixando o alvo.

Olho para trás de mim e vejo uma multidão enorme de pessoas que buscam um caminho que os leve de volte à praia, estão como as gaivotas, os níveis de decomposição estão acelerados, alguns deles têm já os ossos à mostra, mas apesar de eu os ver eles não me vêm, estão como que presos contra uma barreira invisível, um duplo espelho talvez, ou mais uma coisa maluca deste sitio que não sei qual é, nem como aqui vim parar, ao longe vejo também uma porta que de certeza me levará para o mesmo sitio onde toda aquela gente se encontra e por isso decido continuar sentado e esperar o barqueiro.

O som baque do barco a chegar à areia desperta-me dos meus pensamentos, o som de umas botas pesadas caminhando sobre o rebentamento das ondas fazem-me abrir os olhos e ver aquele monstro, para humano é demasiado alto, os olhos brancos sem vida olham-me numa face que apenas tem olhos, em duas cavidades oculares completamente metidas para dentro sem nariz ou boca, apenas uma face lisa com dois enormes olhos como faróis, ele para e estende-me a mão, fazendo-me o sinal de que suba para a barcaça.

Hesito primeiro, mas depois noto que ou barcaça ou aquela porta, aceno com a cabeça a agradecer e sigo para a barcaça.

Ao tocar na água todo o meu corpo gela, pelo que subo depressa para o barco, o som daquela forma inumana diz-me que ele está mesmo atrás de mim, sobe para o barco e batendo as mãos o sentido das ondas muda e o barco vagueia ao saber das ondas para a outra margem, conforme nos aproximamos a neblina desce o que me permite ver uma praia idêntica à outra apenas diferente nas formas, as gaivotas aqui não estão decrépitas, a areia é dourada e as pessoas caminham na praia perfeitas e imaculadas, um sorriso coloca-se nos meus lábios, depois de uma vida de merda uma recompensa que à muito tinha direito.

Um som de palmas ecoa nos meus ouvidos e de novo as ondas mudam de sentido empurrando-me agora para uma nova zona, tento sair do barco mas ao tocar a água com a mão sinto como se pusesse a mão sobre uma poça de ácido sulfúrico olho a minha mão e vejo os ossos através de um buraco na carne na palma da mão, a voz de um sorrir sarcástico abafa os meus gritos de dor e o barco navega suavemente mar abaixo para um sitio que não vislumbro, o desconhecido está à minha frente.

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